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COMO A RESOLUÇÃO CFM 2.448/2025 (AUDITORIA MÉDICA) MUDA TUDO NA RELAÇÃO MÉDICO–OPERADORA

  • Foto do escritor: Idelfonso Carvalho
    Idelfonso Carvalho
  • 18 de nov.
  • 6 min de leitura
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A Resolução CFM n.º 2.448/2025 inaugura um novo paradigma da auditoria médica no Brasil. Mais do que revogar uma norma obsoleta de 2001, ela reorganiza o papel do auditor, protege o médico assistente, limita interferências indevidas das operadoras de planos de saúde e enfrenta conflitos normativos que estavam adormecidos desde a criação da ANS. Este artigo analisa criticamente seus principais dispositivos, discute seus pontos de tensão e propõe soluções inteligentes para médicos, operadoras, pacientes e juristas.


 Por que a Resolução 2.448/2025 é um marco histórico


A auditoria médica brasileira, por mais de duas décadas, operou sob uma normatização insuficiente — a Resolução CFM 1.614/2001 — que, apesar de importante em sua época, não dialogava mais com:

  • a complexidade da medicina contemporânea,

  • o avanço da saúde suplementar,

  • o aumento exponencial da judicialização,

  • a assimetria crescente entre operadoras e médicos assistentes,

  • as falhas éticas e técnicas das auditorias massificadas,

  • o uso inadequado da auditoria como ferramenta de contenção de custos.

Enquanto a ANS desenvolveu arcabouço regulatório robusto para proteger o beneficiário, pouco se avançou no sentido de proteger o ato médico das interferências administrativas das operadoras.

Nesse cenário, a Resolução 2.448/2025 faz uma inflexão histórica. Ela recoloca a auditoria dentro da Medicina, não mais como instrumento burocrático, mas como ato médico privativo, dotado de responsabilidade técnica, ética e legal.


 A natureza clínica da auditoria: ruptura com o modelo burocrático


O art. 2º da nova resolução afirma categoricamente que a auditoria médica é:

  • ato privativo do médico, regulado pela Lei do Ato Médico, pela ciência médica e pelo Código de Ética Médica.

Essa afirmação tem impacto profundo.

Durante anos, auditorias:

  • foram executadas por não médicos,

  • basearam-se apenas em documentos,

  • seguiram protocolos engessados,

  • foram terceirizadas a empresas sem registro no CRM,

  • priorizaram metas de economia e glosa.

 A nova resolução rompe definitivamente com esse cenário ao:

  • exigir formação médica adequada,

  • impor responsabilidade técnica ao auditor,

  • determinar fundamentação científica,

  • estabelecer comunicação direta médico–médico.

Essa mudança devolve ao auditor seu papel original: avaliar condutas médicas dentro do campo da Medicina, não da administração.


 O ponto de virada: a proibição da auditoria remota e a obrigatoriedade do exame presencial


O art. 4º estabelece:

 “É obrigatório ao médico auditor realizar exame presencial do paciente em caso de divergência técnica, sendo vedada a auditoria remota.”

Este é, sem dúvida, o ponto mais disruptivo da resolução. Ele destrói a base operacional da auditoria feita em larga escala, rápida, superficial e completamente desconectada do paciente.


Impacto sobre as operadoras


A auditoria documental — que muitas operadoras chamavam de “técnica”, mas não era — perde validade ética e técnica. As empresas terão que:

  • contratar mais auditores médicos,

  • garantir estrutura física,

  • respeitar prazos realistas,

  • investir em equipe local,

  • documentar contato e justificativas,

  • abandonar modelos automatizados de negativa.

Isso exige reengenharia operacional.


Impacto sobre os auditores

A responsabilidade técnica aumenta drasticamente. O auditor:

  • passa a responder por exame físico não realizado,

  • não pode mais emitir parecer superficial,

  • deve registrar achados clínicos,

  • deve justificar tecnicamente divergências,

  • deve agir como médico na plenitude.


Impacto sobre o médico assistente

A autonomia passa a ser protegida, pois:

  • divergências precisam ser fundamentadas,

  • decisões não podem se basear em protocolo rígido,

  • auditor e assistente devem dialogar diretamente.

 O art. 13 e o “nó normativo”: a autonomia do médico limitada pelo rol de cobertura

O art. 13, I estabelece que:

A melhor conduta médica será reconhecida pelo auditor quando cientificamente fundamentada e com previsão de cobertura na ANS ou no SUS.

Esse trecho cria potencial conflito:

  • A Lei 14.454/2022 determinou que o rol é exemplificativo, permitindo prescrição fora do rol, desde que haja base científica.

  • A Resolução 2.448/2025 pode ser interpretada como reatualizando um rol taxativo para fins de auditoria.


Risco prático

Operadoras podem usar esse dispositivo para dizer:

“Se não está no rol, o auditor não está obrigado a reconhecer.”

Isso pode esvaziar a autonomia que a própria resolução pretende proteger.


Solução inteligente


Interpretar o art. 13 em conjunto com:

  • o Código de Ética Médica,

  • o princípio da beneficência,

  • a Lei 14.454/2022.

A melhor leitura é:

“A conduta deve ser reconhecida quando houver previsão de cobertura, mas pode ser justificada clinicamente fora do rol conforme exigências legais, científicas e jurisprudenciais.”

Essa harmonização evita conflito sem contrariar a intenção original da resolução.

O conflito direto entre o CFM e a ANS: a junta médica remota da RN 424/2017

A Resolução Normativa ANS 424/2017 prevê que a junta pode ser:

  • presencial, quando necessário,

  • à distância, quando o desempatador entender que não há necessidade da presença do paciente.

Ou seja, a junta médica pode ser integralmente remota.

Já o CFM proíbe auditoria remota em caso de divergência clínica.


O conflito é real e inevitável

  • A ANS regula relações contratuais e proteção do beneficiário.

  • O CFM regula o exercício ético-profissional da Medicina.

O que a ANS permite, o CFM proíbe. E nenhum tem “precedência hierárquica” automática sobre o outro, pois regulam esferas distintas.


Efeitos jurídicos

Esse conflito gera:

  • vício de origem na negativa baseada em auditoria remota,

  • fragilidade das juntas médicas feitas à distância,

  • possibilidade de:

    • judicialização,

    • nulidade da decisão,

    • responsabilização ética do auditor,

    • questionamento no CRM,

    • ação indenizatória.


Solução inteligente

As operadoras devem criar modelos híbridos, como:

  1. Pré-análise documental,

  2. Contato clínico com o médico assistente,

  3. Exame presencial do paciente PARA DIVERGÊNCIAS,

  4. Junta médica apenas após auditoria conforme CFM.

Isso harmoniza ANS e CFM.

 O fortalecimento do médico assistente

A resolução cria uma verdadeira blindagem técnica:

 

  • glosas automáticas tornam-se ilegítimas,

  • negativas sem fundamentação científica perdem validade,

  • o diálogo médico–médico torna-se obrigatório,

  • operadoras não podem mais usar intermediários ou não médicos,

  • relatórios extras além da indicação clínica não podem ser exigidos.

Isso melhora a prática clínica e reduz o assédio administrativo.

A profissionalização das empresas de auditoria

O art. 8º exige que empresas de auditoria, seus diretores técnicos e auditores estejam registrados no CRM de cada jurisdição onde atuam.

Isso:

  • elimina empresas clandestinas,

  • impede atuação de equipes sem registro,

  • força compliance ético,

  • impede pareceres emitidos de outros estados sem registro local.

É uma mudança estrutural poderosa.

Responsabilidade dos diretores técnicos das operadoras


A resolução transforma o diretor técnico da operadora em guardião da ética.

Ele deve assegurar:

  • que não haja glosa de procedimento previamente autorizado,

  • que não médicos não manuseiem informações clínicas,

  • que auditores não recebam remuneração por glosa,

  • que códigos da ANS sejam respeitados rigorosamente,

  • que solicitações de relatórios extras sejam proibidas.

É uma responsabilidade ética pesada — e inovadora.

 Impacto jurídico: a resolução muda o jogo da judicialização

A Resolução 2.448/2025 cria, indiretamente, teses jurídicas fortíssimas, como:


Tese do vício de origem

Negativas baseadas em auditoria remota tornam-se inválidas.


Tese da violação ética como fundamento jurídico

Auditoria sem exame clínico viola:

  • Código de Ética Médica,

  • Resolução CFM,

  • boas práticas clínicas.

Logo:

  • a negativa é abusiva,

  • a operadora perde força probatória.


Tese da autonomia médica como limite regulatório

Negar cobertura sem fundamento técnico-científico viola:

  • autonomia médica,

  • direito à saúde,

  • dignidade da pessoa humana.


Tese da glosa indevida previamente autorizada

Art. 15 proíbe glosa após autorização.  Isso reforça ações indenizatórias.

 A Resolução 2.448/2025 é um divisor de águas — mas exige maturidade para ser implementada

A resolução é, simultaneamente:

  • avançada,

  • corajosa,

  • ética,

  • clínica,

  • técnica,

  • necessária,

  • mas não isenta de problemas.

Ela enfrenta o maior tabu da saúde suplementar:

A interferência indevida das operadoras no ato médico.

Ainda assim, traz desafios:

  • conflito com o rol da ANS,

  • conflito com a RN 424/2017,

  • aumento do custo estrutural das auditorias,

  • risco de confusão entre auditoria e perícia,

  • necessidade de operacionalização complexa.


Mas seu mérito central permanece inabalável:

Ela devolve à auditoria aquilo que lhe pertence:

  • a essência da Medicina.

  • E garante ao médico — auditor e assistente — uma proteção ética e técnica há muito esperada.

 Soluções Inteligentes para Harmonizar Sistema, Normas e Prática Médica


  1. Criar fluxos clínicos híbridos: pré-análise documental + exame presencial quando houver divergência.

  2. Criar núcleos internos de auditoria nas operadoras com médicos de fato, não “pareceristas”.

  3. Revisar contratos para incorporar critérios técnicos da resolução.

  4. Utilizar juntas médicas presenciais como padrão, não exceção.

  5. Treinar médicos assistentes para documentar melhor, dialogar melhor e defender sua autonomia.

  6. Capacitar auditores para atuar como clínicos — não burocratas.

  7. Estabelecer compliance ético interno nas operadoras.

  8. Harmonizar ANS × CFM por meio de interpretações conjuntas e protocolos integrados.


A Resolução CFM 2.448/2025 não é apenas um diploma normativo.


Ela é um marco ético, clínico e jurídico da prática médica contemporânea.


Representa um movimento inequívoco:

 A auditoria médica deixa de ser burocracia e volta a ser Medicina.

E, quando a Medicina se reconecta à sua essência — ciência, ética e cuidado — todos ganham: médicos, pacientes, sociedade e até mesmo as operadoras, que passam a operar em ambiente mais seguro, técnico e previsível.




 
 
 

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