Desligamento de Médicos de Cooperativas de Trabalho: Responsabilidade por Dívidas e Meios Jurídicos de Proteção
- Idelfonso Carvalho

- 7 de out.
- 6 min de leitura

Introdução
Nos últimos anos, muitos médicos têm repensado sua participação em cooperativas médicas, como a Unimed, seja por questões financeiras, por mudanças na forma de atuação profissional ou até por divergências administrativas. O desligamento de um cooperado, no entanto, nem sempre ocorre de forma simples e transparente.
Imagine a seguinte situação: um médico solicita formalmente seu desligamento da cooperativa, vê esse ato ser anunciado publicamente, mas nunca recebe cópia da ata de assembleia que aprovou sua saída, tampouco a confirmação no livro de matrícula dos cooperados. Tempos depois, a cooperativa entra em grave crise financeira. Surge então, a dúvida: este médico ainda poderia ser responsabilizado por dívidas contraídas após o seu pedido de desligamento?
Esse é o ponto central deste artigo. Vamos juntos analisar a legislação, a jurisprudência e as medidas judiciais possíveis para garantir a segurança do médico que decide se desligar de uma cooperativa.
O que é uma cooperativa médica?
As cooperativas, como a Unimed, são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, que se organizam para prestar serviços em benefício dos próprios cooperados.
Na prática, o médico cooperado participa não apenas como prestador de serviços, mas também como sócio de uma sociedade, com direitos e deveres.
O vínculo não é apenas contratual, mas societário, regido principalmente pela Lei nº 5.764/71 (Lei das Cooperativas) e, subsidiariamente, pelo Código Civil (arts. 1.093 a 1.096).
O direito de desligar-se da cooperativa
O desligamento do cooperado é um direito potestativo: basta que o médico manifeste sua vontade.
O art. 21, I, da Lei 5.764/71, é claro ao estabelecer que o associado pode se retirar voluntariamente da cooperativa, respeitando as condições previstas no estatuto.
Ou seja, não há discricionariedade da cooperativa em aceitar ou recusar. Uma vez protocolado o pedido, a saída deve ser formalizada.
Contudo, a lei exige que esse desligamento seja registrado no livro de matrícula da cooperativa e, em alguns casos, comunicado em assembleia. A omissão da cooperativa em cumprir esse dever administrativo gera inúmeros problemas — como o risco de se tentar responsabilizar o ex-cooperado por débitos futuros.
A responsabilidade do cooperado por dívidas
Aqui está um dos pontos mais sensíveis.
O art. 36 da Lei 5.764/71 estabelece que o cooperado responde subsidiariamente pelas obrigações da cooperativa. Mas o Código Civil, art. 1.003, parágrafo único, limita essa responsabilidade:
“O sócio que se retira ou é excluído responde pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução, mas não por dívidas posteriores.” |
Portanto, temos duas regras importantes:
O ex-cooperado só pode ser responsabilizado por obrigações anteriores à data do desligamento, e mesmo assim apenas por até dois anos;
Dívidas contraídas após a saída não podem ser atribuídas a ele.
O problema surge quando a cooperativa não formaliza corretamente o desligamento no livro de matrícula ou não fornece ao médico a documentação comprobatória.
A importância da prova do desligamento
No Direito, quem alega deve provar. Assim, em eventual cobrança ou tentativa de responsabilização, o médico precisa demonstrar que já havia se desligado.
As formas de comprovação mais comuns são:
Protocolo do pedido de desligamento (documento fundamental);
Comprovação de publicação oficial (por exemplo, anúncio no site da cooperativa informando que o médico não faz mais parte do quadro);
Notificações extrajudiciais e respostas da cooperativa.
Ainda que a cooperativa não entregue a ata da assembleia ou não realize o registro formal, o médico tem meios de provar que sua vontade foi clara e que o desligamento de fato ocorreu.
Omissão da cooperativa e boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva é um princípio basilar do Direito Civil. Ele determina que todas as partes devem agir com lealdade, transparência e cooperação.
Quando a cooperativa não formaliza o desligamento de um médico que apresentou pedido regular, ela viola esse princípio, criando um risco indevido ao ex-cooperado.
O Código Civil, em seu art. 187, considera abuso de direito qualquer ato que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
Assim, a omissão da cooperativa não pode servir como justificativa para responsabilizar indevidamente o médico.
É possível uma ação judicial?
Sim. Se a cooperativa não entrega a documentação, o caminho mais seguro é buscar o Judiciário.
A medida prudente é a Ação Declaratória de Inexistência de Responsabilidade, cumulada com Obrigação de Fazer.
Essa ação teria como objetivos principais:
Obrigar a cooperativa a fornecer os documentos (ata da assembleia e registro no livro de matrícula);
Declarar que o médico não responde por dívidas contraídas após a data do desligamento;
Reconhecer a data do protocolo como marco do desligamento, determinando a averbação retroativa.
O fundamento legal está no art. 19 do CPC (ações declaratórias) e nos arts. 396 a 404 (exibição de documentos).
Averbação retroativa do desligamento
Um dos pedidos mais importantes é a averbação retroativa.
Ou seja, o juiz pode determinar que o desligamento seja registrado no livro de matrícula a partir da data do protocolo do pedido, e não da decisão tardia da cooperativa.
A jurisprudência brasileira tem entendido que a inércia da cooperativa não pode prejudicar o ex-cooperado.
Exemplo:
“A demora da cooperativa em formalizar o desligamento do associado não pode gerar efeitos jurídicos contrários àquele que manifestou tempestivamente sua vontade de se retirar.”
Portanto, se o médico prova que protocolou o pedido em 2020, mas a cooperativa só registrou em 2021, o Judiciário pode reconhecer 2020 como a data válida para cessação de responsabilidades.
O risco de responder por dívidas
O maior receio do ex-cooperado é ser chamado a responder por dívidas posteriores ao desligamento, especialmente em casos de crise financeira ou processos de recuperação judicial.
Com base na lei e na jurisprudência, a resposta é clara: não há responsabilidade por dívidas posteriores, desde que se comprove o desligamento.
Todavia, existe a regra dos dois anos de responsabilidade por dívidas anteriores, semelhante ao que ocorre em sociedades limitadas.
Isso significa que, se a cooperativa contraiu uma obrigação em 2022, e o médico se desligou em 2023, ele ainda pode ser chamado a responder até 2025, desde que se prove que a dívida é anterior à saída.
Estratégias práticas para médicos que desejam se desligar
Formalizar o pedido por escrito, sempre com protocolo;
Guardar cópia de e-mails, notificações e publicações;
Notificar extrajudicialmente a cooperativa, pedindo a entrega dos documentos;
Reunir provas de divulgação pública, como anúncios em sites ou comunicados;
Ingressar em juízo caso a cooperativa insista em não fornecer a documentação.
Esses cuidados são fundamentais para evitar dores de cabeça no futuro.
Perguntas para refletir:
1. Se eu me desliguei da cooperativa, mas eles não registraram, continuo sócio? Não. O desligamento é um direito potestativo. O registro é um dever da cooperativa, e sua omissão não mantém o vínculo ativo.
2. Posso ser cobrado por dívidas futuras da cooperativa? Não. A responsabilidade cessa na data do pedido de desligamento, comprovado por protocolo.
3. E se a cooperativa entrar em recuperação judicial depois que eu saí? Você não pode ser incluído por dívidas posteriores. Apenas as obrigações contraídas antes da sua saída podem gerar alguma responsabilidade, por até dois anos.
4. Preciso de advogado para entrar com ação? Sim, trata-se de uma ação judicial complexa que exige petição inicial bem fundamentada e, possivelmente, pedido de tutela provisória.
5. Posso pedir indenização contra a cooperativa? Sim, se houver danos materiais (exemplo: cobrança indevida) ou morais (exemplo: inclusão indevida em assembleias ou execuções).
Conclusão
O caso do médico que se desliga de uma cooperativa, mas não recebe a documentação comprobatória, é mais comum do que se imagina. Muitos profissionais acabam inseguros quanto à sua responsabilidade diante de crises financeiras ou dívidas posteriores.
A boa notícia é que a legislação protege o ex-cooperado: sua responsabilidade cessa na data do pedido de desligamento. A omissão da cooperativa não pode transformá-lo em devedor eterno.
Se houver resistência, a via judicial é o caminho seguro para exigir documentos, obter declaração de inexistência de responsabilidade e até a averbação retroativa.
Links oficiais
🔗 Site oficial: www.idelfonsocarvalho.com.br 🎥 YouTube: Dr. Idelfonso Carvalho – Canal Oficial 📸 Instagram: @idelfonsocarvalho 💼 LinkedIn: Idelfonso Carvalho 📱 Facebook: Perfil Oficial
Observação final
Este artigo tem caráter meramente informativo e não substitui a consulta a um advogado especializado. Cada caso concreto possui suas particularidades, que devem ser analisadas individualmente.





Comentários