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Quando o trabalho adoece: o silêncio da sobrevivência profissional

  • Foto do escritor: Idelfonso Carvalho
    Idelfonso Carvalho
  • 14 de jun.
  • 3 min de leitura
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Por Dr. Idelfonso Carvalho — Assessoria Médica Pericial em Processos Médicos / Auditoria / Cirurgião da Mama / Cirurgião Geral / Médico do Trabalho / Médico Perito / Bacharel em Direito.

CRM 9198 / RQE 3496 / RQE 14059 / RQE 14668 / RQE 5403

A saúde mental no ambiente de trabalho tornou-se, nos últimos anos, uma das maiores preocupações de quem vivencia o ritmo cada vez mais exigente da vida profissional. O que antes era romantizado como “força de vontade” ou “dedicação sem limites” agora é reconhecido como uma das principais causas de sofrimento psíquico, afastamentos prolongados e perda de qualidade de vida.

Um exemplo concreto dessa realidade começa com uma rotina que parecia promissora: jornada estável, bom salário e reconhecimento técnico. Mas, aos poucos, surgiram sinais de alerta. O volume de tarefas aumentou silenciosamente. As metas foram se acumulando, os plantões se estendendo, e as demandas “fora do expediente” passaram a ser vistas como parte natural do cargo. O celular institucional nunca descansava. As mensagens não paravam mesmo durante os períodos de folga, e as reuniões, muitas vezes, ocorriam em horários impróprios.

Neste cenário, o corpo começou a dar sinais: insônia persistente, cansaço sem explicação, lapsos de memória, irritabilidade, crises de choro e uma sensação constante de inadequação. A produtividade caiu. A alegria de exercer a função foi substituída por um sentimento de peso e tensão.

Mesmo assim, como é comum em muitos casos, a profissional insistiu. Tentou cumprir todas as tarefas, mesmo quando isso significava sacrificar a própria saúde física e mental. Quando aceitou uma nova função de liderança, o prometido apoio administrativo nunca veio. Pelo contrário: as cobranças aumentaram, as responsabilidades triplicaram, e a solidão na tomada de decisões se intensificou. O cansaço virou esgotamento.

Em determinado momento, durante um atendimento de rotina, houve o que muitos chamam de "apagão emocional": dificuldade de articular ideias, sensação de paralisação, incapacidade de concluir um raciocínio simples. A reação imediata foi afastar-se, buscar ajuda especializada e iniciar tratamento psiquiátrico e psicoterápico. Mas mesmo após o retorno, os sintomas voltaram com força diante das mesmas condições adversas de trabalho.

Houve esforços da parte envolvida para ajustar sua jornada de trabalho, com o objetivo de preservar sua saúde. No entanto, a ausência de uma resposta institucional contribuiu para a piora do quadro clínico, resultando em nova necessidade de afastamento.

O desligamento da função ocorreu em um momento de esgotamento emocional. Mesmo após essa decisão, novas situações de elevada exigência funcional agravaram o quadro clínico, exigindo atendimento especializado. A melhora significativa só foi observada quando cessaram as pressões relacionadas diretamente ao contexto ocupacional.

Esse exemplo ilustra um modelo de adoecimento cada vez mais comum, mas ainda invisibilizado. O sofrimento mental relacionado ao trabalho não aparece, na maioria das vezes, como um colapso súbito. Ele é gradual, silencioso, acumulativo — e, muitas vezes, negligenciado tanto pela própria pessoa quanto pela instituição.

Muitos fatores contribuem para esse processo:

  • Jornadas excessivas sem pausas adequadas;

  • Acúmulo de funções sem compensação proporcional;

  • Falta de reconhecimento, apoio ou diálogo com a gestão;

  • Pressão constante por resultados, metas e disponibilidade total;

  • Ausência de escuta institucional ou de acompanhamento do setor de saúde ocupacional;

  • Normalização do sofrimento como parte “natural” da atividade profissional.

A psicodinâmica do trabalho, abordagem desenvolvida por estudiosos do tema, explica que o sofrimento no trabalho pode ser criador ou patogênico. O sofrimento criador é aquele que impulsiona a transformação, a superação, o aprendizado. Já o sofrimento patogênico é aquele que corrói lentamente a estrutura emocional da pessoa, levando ao esvaziamento da identidade, ao adoecimento e, muitas vezes, ao rompimento profissional traumático.

O mais preocupante é que esse tipo de situação não ocorre em ambientes “hostis” de forma explícita. Muitas vezes, o que adoece é justamente o excesso de comprometimento com um trabalho que a pessoa ama. É a frustração com o abandono institucional, com a ausência de reconhecimento, com a falta de diálogo. É a repetição da cobrança sem limites, sem escuta, sem humanização.

O cuidado com a saúde mental no trabalho exige mais do que frases motivacionais ou campanhas pontuais. Ele exige estrutura, presença, escuta ativa, revisão periódica das condições de trabalho e comprometimento real com o bem-estar dos profissionais.

A prevenção é possível. Mas, para isso, é necessário que as organizações:

  • Valorizem canais institucionais de acolhimento e escuta ativa;

  • Garantam limites objetivos de jornada e respeitem o direito ao descanso;

  • Estimulem lideranças sensíveis, capacitadas e conscientes da saúde emocional das equipes;

  • Promovam avaliações regulares das condições organizacionais e da carga de trabalho;

  • Ajam de forma preventiva, e não apenas corretiva, diante dos sinais de esgotamento.

O sofrimento psíquico relacionado ao trabalho é real, é crescente, e precisa ser tratado com a seriedade que merece. Nenhuma produtividade justifica a perda da saúde — física, mental ou emocional — de quem constrói diariamente o valor de uma instituição.


 
 
 

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